Tefopress: Augusto de Oliveira pela Santa Ifigênia – PERCURSOS

Texto e fotos: Stefano Macarini

Publicado originalmente em medium.com/percursos em Setembro de 2016.

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Para o meu padrão de ser humano o Augusto é um gênio da matemática, todo mundo tinha que ter acesso livre a um gênio da matemática que pode te explicar distribuição normal e amostragem estatística as duas da manhã. Augusto Born de Oliveira, 31, mora em São Paulo desde 2015 depois de nascer gaúcho e ter realizado o sonho gaudério de morar em Floripa. Ele estudou ciência da computação e engenharia de automação na UFSC e fez doutorado em engenharia elétrica e computação (pega essa Bel Pesce).

Ele me levou pra comprar eletrônicos Santa Ifigênia, da General Osório até o largo São bento, num sábado de manhã de agosto.

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Saindo do metrô na Praça da República seguimos pela Ipiranga até a Rio Branco entrando na Timbiras. Já na quadra da Santa Ifigênia, Augusto insiste que entremos na Sampolly. Viramos num corredor estreito entre partes desmontadas de equipamentos eletrônicos e vou ao fundo da loja falar com o dono. Peço para fotografar, mas com a loja cheia e o fato de ser sábado (?) ele é taxativo-quase-ameaçador ao dizer que não posso fotografar. Fiquei puteado mas o não faz parte da vida, Augusto finge interesse em partes antigas de computador pra salvar a minha cara.

Na saída, saco o celular e fotografo uma das únicas placas do lugar que dizia “A MORTALIDADE DOS HOMENS SE DÁ DIANTE DA SUA COVARDIA”. Augusto me explica ao sair da loja que sábado é o dia dos hobbystas, pessoas que veem graça e se divertem com eletrônica que ficam pesquisando na internet a semana inteira para gastar tudo em perguntas aos vendedores em uma manhã.

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Na esquina da Santa Ifigênia com a Timbiras um senhor com um capacete branco e chifres que me me lembram o Vingador da Caverna do Dragão me chama a atenção. Chegando mais perto percebo que os chifres são acessórios de Go Pro. Pergunto pra ele onde posso encontrar os acessórios e sou conduzido até entrar na Galeria nº 260, entre a Timbiras e a Aurora. Chegamos ao Universo Eletrônico, loja 15: suporte de capacete R$15,00, suporte bicicleta R$ 65,00. Peço uma foto do senhor com o capacete branco.Seguimos sentido Praça Júlio Prestes, Augusto quer começar o percurso no começo da Santa Efigênia e nem ligamos o GPS ainda. Na esquina da General Osório ligamos os aparelhos. Desviamos da Santa ifigênia e entramos na General Osório sentido Rio Branco pois quero mostrar pro Augusto um buraco pelo qual passava de bicicleta nos últimos seis meses. Era uma cratera que ficava na rua estreita, logo antes de entrar na Rio Branco, mal sinalizado, só dava pra ver as os canos e fios desenterrados quando você estava na beirada. Aquilo sempre me chamou mas nunca tinha feito uma foto, queria mostrar pra alguém. Andamos a rua inteira e nada, apenas a cicatriz no asfalto do ex-buraco. Para não perder a viagem, entro no Bazzar ) e faço uma foto da instalação de painéis de LED.

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Descendo a rua, Augusto me conta como o abastecimento de eletrônicos da Santa Efigênia é meio absurdo. A maioria dos fornecedores de eletrônicos compra lotes que sobram da indústria, por vezes sendo impossível encontrar o arroz e feijão eletrônico mas tornando comum peças não-óbvias por valores razoáveis. A receita do sucesso nessa parte da cidade é escolher um segmento e ir nele com força, daí surgem as lojas especializadas em câmeras de segurança, videogames, equipamento audiovisual, botões, cabos até chegar por fim ao famigerado UNIVERSO MAKER ™.

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Chegamos na Mamute Eletrônica, na Rua Vitória, que está lotada por entusiastas ávidos por novas peças para seus arduínos. Capacitores, rodas, servo-motores e o ícone do UNIVERSO MAKER ™: a impressora 3D pequena demais pra imprimir coisas funcionais. Na gamela de compras: pasta de solda, fluxo de solda, motor servo, dois terminais de bateria 9v, R$80 gastos.

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Ele me explica que conheceu a Mamute em fóruns na internet, e que muitas das lojas mais baratas da região não estão na rua Santa Ifigênia em si, e sim nas adjacências. Por comercializar itens preciosos noUNIVERSO MAKER ™Mamute teria que vender os mesmos itens por valores maiores se tivesse na cara do gol, em alguma galeria na rua Santa Ifigênia, mas na Rua Vitória é possível inclusive transitar nas calçadas das regiões mais centrais do bairro que devido ao alto número de vendedores, obriga os pedestres a compartilhar as vias com os carros.

Voltando para a Santa Ifigênia um chef nos lembra da nossa fome com um boombox a tiracolo anunciando almoço com uma carne a R$10,00.

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Antes de desembargarmos o almoço o Augusto queria me levar na Nena, uma loja de componentes eletrônicos que fica no número 295. O prédio em questão claramente não foi construído para abrigar cerca de 10 lojas de eletrônicos por andar, ao longo de cinco andares, porém, como muita coisa em São Paulo as coisas se tornam o que são, e não o que nasceram pra ser.

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A estrutura do prédio se assemelha a um prédio comercial de serviços, no entanto a cidade o transformou em uma galeria vertical. Exploramos os outros andares até chegar na Nena, onde um simpático trio de mulheres atende o público. Na entrada, gavetas de peças mostram recados simpáticos aos clientes. Após comprar um motor de passo seguimos pelo prédio e entramos na Fratello Games, um andar abaixo. Augusto começa uma busca por um Game Boy Advance SP, na Fratello no entanto só encontra exemplares bem batidos. Uma máquina de Mortal Kombat III chama a nossa atenção, o dono nos explica que comprou pra colocar no seu quarto, porém como não passou pela porta, resolveu subir 4 andares com ela e colocar na sua loja para não ter que se vendê-la.

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Saímos do 295 em direção ao Rinconcito Peruano, o benchmark peruano do centro. No caminho um funcionário da Parisiense transportando uma carcaça de boi me pede uma foto antes de atravessarmos a Rio Branco. Aos finais de semana filas infernais te esperam no restaurante contudo chegamos as 12:30 e não pegamos fila alguma. Mandamos um ceviche cada um que sai por R$ 40 a cabeça com serviço bebidas e etc. O rinconcito é meio caro quando você compara com outras coisas no centro mas pessoas ainda te dão bom dia e a comida é boa.

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Durante o almoço conversamos durante cerca de duas horas, reproduzo na íntegra duas falas do Augusto, uma sobre a vida acadêmica e outra sobre ser escravo do salário.

[12:47] Aproveitando a posição privilegiada que eu tenho eu tô me dando ao luxo de me meter nesses projetos mas que eu tenho uma certa corda, quando ela acabar acabou. Desde criança eu tinha muita aversão a autoridade, o clássico adolescente chato pra caralho e rebelde em casa. Eu comecei a procurar refúgio na música e na internet. Esse espírito de rebeldia é raro com o meu perfil acadêmico porque no mundo acadêmico se dá bem quem segue as regras. É muito difícil tu ser o cara que fica reclamando das coisas, xingando o sistema e não ser rejeitado imediatamente, mas eu sempre fui bom na parte técnica e não é como se eu fosse um exemplo de interação social. Eu não tenho a desenvoltura que muitos do nosso grupo social tem, eu me vejo como um cara que ta na corda bamba, a primeira impressão que eu deixo nas pessoas é sempre horrível.

[12:56] É a rotina que me incomoda, é a certeza que tu vai tá fazendo isso todo o dia por meses todo ano até morrer, entende? É aquela história, eu não quero ser escravo do salário. Se tu vender o teu tempo tu vai tá só a um passo acima da escravidão, não tem nenhum tipo de participação pessoal no sucesso do negócio e vai acabar vendendo horas da tua vida em troco de dinheiro. A ideia é que essa relação seja temporária pra que se junte dinheiro e consiga investir vida e tempo em coisas que sejam suas. Vender o teu produto ou o teu tempo é uma distinção ética muito forte pra mim.

Voltamos a Santa Efigênia com a missão de encontrar um Gameboy Advance SP em bom estado e preço razoável. O plano do Augusto é rootar o aparelho e instalar TODOS OS JOGOS JÁ FEITO PELA NINTENDO PARA TODOS OS GAMEBOYS. Os preços variam muito de acordo com o estado e modelo do videogame: na God of Games II R$500 o modelo SP (super bright, com tela mais iluminada) na caixa, R$250 na ADS, num mesmo SP, fora da caixa e um pouco batido. No Shop 01, a BOLA GAMES me chama a atenção por realizar reparos e testes na bancada da loja e por uma simpática tabela de preços.

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Atravessamos o viaduto Santa Ifigênia em meio ao comércio de rua e o largo São Bento até chegar no metro. Vamos até a estação Ana Rosa, onde sigo pela linha azul e Augusto troca para a linha verde. Dias depois ele me confirma que é o feliz proprietário de um Gameboy e mais uma renca de jogos hackeados.

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ROTAS E INFORMAÇÕES

  • Universo Eletrônico — Rua Santa Ifigênia 260, loja 15.
  • Bazzar — Rua General Osório, 312.
  • Mamute Eletrônica — Rua Vitória, 125.
  • Nena Componentes Eletrônicos — Rua Santa Ifigênia 295, loja 277.
  • Fratello Games — Rua Santa Ifigênia 295, loja 15.
  • Riconcito Peruano — Rua Aurora, 451.
  • God of Games II — Rua Santa Ifigênia, 15 Box 19B.
  • ADS Games e Acessórios — Viaduto Santa Ifigênia, 287, Box 01.
  • Bola Games — Rua Santa Ifigênia, Shop 01, Loja 36.
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